Véspera de Natal



- Mas, isso não faz sentido. Dá a impressão que você só tem essas obrigações no natal...
- Senhorita Evelyn... Não é isso... - Richard esfregou a mão no rosto ainda rindo. 
- Não adianta, Senhor McGold. É difícil convencer essa cabeça dura. 
- Como assim? Toda cabeça não é dura!?... – Soltou confusa. Richard e Philippe riram da cara de confusão da garota - Mas gente... O que foi?
- Ai, ai... Só vocês dois pra me fazerem rir assim. Escutem, eu levaria vocês para a ceia hoje, mas, vai ser na casa da minha mãe... Minha mulher é um tanto temperamental. E, é natal, eu não quero discussões hoje. 
- Por que ela iria brigar?
- Porque eu iria levar a belíssima senhorita Evelyn, e minha mãe com certeza iria amá-la. Nenhuma mulher gosta de ver a sogra bajulando uma outra mulher que seu marido traz como companhia.
- Tem razão. - Concordou Philippe
- É meio confuso... Sua mãe não gosta de sua amada?- Indagou Evelyn
Richard soltou um "minha amada" de uma forma meio pesada
- Candice é alguém a quem eu quero muito bem...
- Você não a ama? - Dessa vez foi Philippe quem peguntou. 

Richard parou um pouco. Evelyn e Philippe tinham uma característica muito forte. Eles derrubavam as defesas que você tinha e lhe mostravam de uma forma lípida sua própria alma. Era comum isso em crianças, mas quanto a garota... Transparente demais. Não se encontram mais pessoas assim nesses dias.
- Desculpe... - atalhou Eve - Você não tem que responder. Philippe não quis ser intrometido...
- Não, não, é que... Meu pai me fez essa pergunta a algum tempo, eu terminei por não responder. Eu sou adulto, acreditar em amor é coisa para crianças. Porem, meu pai acreditava. Ele era um homem magnífico. Acreditava em virtudes defasadas hoje em dia. Virtudes que eu considerava impossíveis de um adulto, racional, inserido na nossa sociedade atual conceber. Mas, eu vejo que não é impossível tê-las. Você, senhorita Evelyn, me mostrou isso e eu confesso que a companhia de vocês foi uma das melhores que eu já tive.
- E sua mãe?- Perguntou Philippe

- Minha mãe mora em uma mansão em outra cidade. 
- UMA MANSÃO?
- O que é uma mansão? - Perguntou Evelyn mas foi completamente ignorada 
- Um momento, sua mãe mora numa mansão e você está aqui? Numa padaria?
Richard riu. A reação do garoto não era muito absurda
- Meu pai me disse que antes de começar nos negócios da família, eu tinha que aprender a valorizar o esforço e o trabalho. Um padeiro é tão importante quanto um empresário. Ou até mais. Porque o pão é algo essencial. Meu pai passou cinco anos da vida dele trabalhando aqui. Essas paredes foram pintadas por ele. É uma honra trabalhar nesse lugar
- Mas, ainda é uma mansão... Pense em quantas camas tem lá. Tem comida até acabar a vista. Você pode comer até ficar com a barriga esticada. E no inverno tem uma cama fofinha e quente. Você sabe como é dormir numa cama fofinha e quente?! Eu não sei... Mas imagino que deve ser ótimo!!!- Philippe falava com uma empolgação contagiante... 

Richard ria satisfeito, queria levar o garoto lá. Imaginava a reação do menino quando visse a piscina e todas as outras coisas. Evelyn sorria de uma forma aconchegante. Imaginou que ela também ficaria impressionada com o lugar, qualquer pessoa ficaria. Fez planos de levar os dois, então lembrou do escândalo que Candice faria e seu semblante ficou triste...
- Vou ver se trago alguma coisa para vocês. 
- É... O senhor diz que vai guardar para os cachorros... 
- Eu vou levar os cachorros Philippe... 
- Diz que tem dois cachorros que o senhor não pôde levar. 
- Lippe... Por favor... 
- Mas Eve... Eu nunca comi uma ceia de natal... Eu quase nunca como no natal, na verdade. Minha mãe dizia que...
- Philippe! – O garoto olhou para Evelyn assustado, ela continuou firme  – Não é o momento... 
- Escute rapazinho, eu vou trazer um pouco da ceia para dois amigos, é isso que vocês são. Não cachorros. Com todo respeito pessoal – Se dirigindo aos sete cachorros que estavam com eles na calçada da padaria. As palavras de Philippe se colocando como um animal para ter a expectativa de ter comida lhe apertava o peito. Sempre julgara os moradores de rua, agora conhecia dois, e não tinha receio de admitir que se agradava mais da companhia deles que da companhia de muitos letrados em festas sociais ou casuais.

- A águia... lembra da águia, Lipe... - Evelyn gesticulava formando um pássaro com as mãos
- Verdade... ok...ok 
- O que tem a águia? - Richard estava curioso com a relação.

Antes que Evelyn pudesse explicar qualquer coisa, Candice encostou a Picape. Abaixou o vidro e olhou para cena quase com seu desdém natural. Era por volta das onze horas da manhã. Paul e Priscila estavam deitados a porta da padaria com um dos filhotes. Nos degraus, Richard estava sentado segurando um filhote enquanto outro mordia sua calça. A seu lado estava uma moça jovem, bonita, porém mal vestida, não que qualquer pessoa que não estivesse com algo de grife pudesse estar bem vestida diante seus olhos. A menina parecia brincar com os cabelos enquanto o filhote branco tentava pegá-lo. Na ponta, um menino de uns 10 anos estava com o outro filhote no colo. Candice deu um “feliz natal” automático com um sorriso plástico e um aceno e olhou para Richard esperando que ele compreendesse a seguinte mensagem: Entra logo no carro antes que eu seja contaminada com todo o tipo de doença que esse tipo de gente pode causar. Richard entendeu. E como se de propósito, deu um abraço apertado e demorado tanto em Philippe quanto em Evelyn, acompanhado por um beijo na bochecha da menina.

A filhote que estava no colo de Philippe começou a chorar quando Richard a tirou do garoto, enquanto o filhote que estava com Evelyn saiu correndo para trás da jovem. Por fim, Richard deu um comando a Paul e Pricila que deram um latido forte fazendo os filhotes entrarem no carro. 
- Não, não, você vai ter que escovar os dentes umas vinte vezes antes de me beijar. Você vai ter que ser esterilizado. - Resmungou Candice no carro. Richard riu enquanto colocava os filhotes nas caixas de segurança. – E dê um jeito de controlar essas bestas ou elas vão destruir o carro... 
 - Relaxa amor, é natal... – Sentando. 
- Meu deus... Já não basta essa sua cisma com essa história de padaria. Um McGold... Padeiro? É quase uma heresia. Agora essas suas companhias... Meu amor nós somos muito refinados... não andamos com porcos. - Dando partida. A última coisa que Evelyn e Philippe escutaram foi um: “Já chega Candice! Você passou dos limites”. 

- Eu acho que ele ficou bravo com ela. - Soltou Philippe 
- Ela acabou com a noite feliz dele... 
- Ele merece alguém melhor... 
- Bom, ela deve ter algo de bom,em algum lugar, Ela só esconde... Esconde muuuuito bem. 
- Porque você não namora com ele Eve? Ai a gente podia morar aqui na padaria, ai a gente poderia ficar com os cachorrinhos todo o tempo... Ele é legal e nós iriamos comer todo o pão que quiséssemos. 
- Vamos andando Philippe... Você está divagando demais. 
- O quê? Por quê? Eu to falando sério... Você nunca me leva a sério... 

A noite estava estrelada, Philippe e Evelyn haviam caminhado por horas até chegarem na nova “casa” que eles haviam encontrado. O teto destelhado permitia uma ótima visão da lua. A fogueira estava acesa e Evelyn cantarolava enquanto aninhava os cabelos de Philippe para que dormisse. 
- Evelyn...- Disse uma voz ao longe – Menina Evelyn, é sua voz que escuto? 
- Milena...? – Seu coração acelerou. Sim, era a voz de sua amiga Milena, uma sacerdotisa de Avalon. 
- Evelyn... Viemos levá-la de volta para casa. Avalon está a sua espera.

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