O milagre da vida


Os pães estralavam na fornalha de pedra. O cheiro de café e torradas invadiam o lugar. Richard enxugou o suor com uma flanela e despejou os pães na vitrine. Estava cansado.
A saca de farinha estava mais cara, mas ninguém aceitava o pequeno aumento no preço do pão. Todo dia vinham aquelas beatas ostentando rosários no pescoço encher-lhe a paciência... “O pão está muito caro”, “O senhor poderia colocar um a mais?!” ou coisas do gênero. Aquelas velhotas tinham dinheiro para comprar sua padaria inteira se quisessem, mas, preferiam ficava atormentando por mais um pão...

Sua vida era uma merda. Todo dia acordava as três para tirar os pães do descanso. Mal tinha tempo para aproveitar o dinheiro que recebia. Sua mulher alardeava para que ele largasse a padaria e se dedicasse somente a cuidar das empresas e se focar e organizar a herança recebida de seu pai agora falecido. Mas, precisava vivenciar isso. Foi isso que o velho lhe ensinou. Os grunhidos de Priscila, sua cadela, estavam começando a incomodar. Richard tentava não ficar com raiva, afinal ela e Paul eram mais companheiros que sua própria mulher. Candice havia expulsado os dois cachorros de casa depois que um deles quebrou algum móvel insignificante e Richard se recusava perder seus dois fieis amigos.

Ainda lembrava de quando os ganhara, no dia em que a cadela de seu pais dera cria. Carter McGold era apaixonado pelo casal de cachorros que tinha. "Você não escolhe ser dono de Um Akita, meu filho. Eles escolhem seu dono - Dizia - e a ele são fieis até a morte." Candice atormentava para que Richard desse os cachorros à algum amigo que os quisesse. Mas, Richard sabia que dificilmente os dois animais se adaptariam a outra casa. Principalmente com Priscila prenha.

Então, mesmo a contra gosto da esposa, trouxe os dois Akitas e os colocou no quintal da padaria. Ao menos eles a protegiam de ladrões e afastavam os mendigos.

Não suportava mendigos. Sempre tão sujos e nojentos, costumavam vasculhar seu lixo a procura dos restos de comida que os clientes deixavam. Nem seus cachorros faziam isso.

Priscila começou a latir, um latido sofrido. Paul latia frenético, estava agitado. Era hora do almoço e Richard estava fechando a padaria apressado, preocupado com a cadela. Quando chegou ao quintal, encontrou a cadela e em trabalho de parto.

 O “pai” dos filhotes a cheirava, ia e voltava em desespero no terreno. Um garotinho estava quase em histeria vendo o sofrimento da cadela. Ao lado do garoto, um dos sacos de lixo da padaria estava aberto.
- Sai daqui moleque! Sai! Sai!
- Ai meu deus, ai meu deus, ai meu deus... Ela está morrendo moço...
- Eu vou cuidar dela, agora sai daqui, moleque...
- O senhor precisa de uma medica de cachorro... – Falou assustado como se anunciasse uma verdade universal.
- Tudo bem menino, pode ir... – Respondeu um tanto arrogante. Que garoto impertinente...
- Eu vou chamar ajuda... Eeeeeeeeeeeeeve- Saiu gritando

Finalmente o garoto fora embora. Olhou para Priscila, esperava que a natureza fizesse todo o trabalho. Paul, entretanto, não parecia tão confiante, pois começara a latir e freneticamente. Até que a cadela começou a esmorecer pouco a pouco. Richard correu para caminhonete. Precisava levá-la a um veterinário o quanto antes. Quando fazia o retorno e entrava de ré no quintal para colocar a cachorra, quase atropelou o menino e outra pessoa que ele trazia. Os dois ignoraram a caminhonete e continuaram correndo até Priscila. Se Paul os atacasse, Richard não poderia fazer nada, nem teria culpa alguma. O cachorro, entretanto, sequer os ameaçou. Apenas começou a cheirar a mulher. Uma moça bastante jovem, pele clara e traços delicados. Mesmo que sua roupa estivesse suja tanto ela quanto o garoto cheiravam a perfume.
- Pela deusa, ela está morrendo...- Soltou a jovem
- Eu disse, eu sabia... eu sabia... - Completou o garoto agoniado
- Me desculpe a intromissão, mas eu já estou levando a minha cadela ao veterinário.- Tomando a frente da mulher.
- Se você movê-la, ela não vai resistir. Esse senhor veterinário está distante?
- Gente ela vai morrer! Vocês vão ficar conversando? - Atalhou o garoto.- Meu deus do céu...
- O senhor pode pegar água?
- Você sabe fazer um parto de uma cadela?
- Bom eu já ajudei no parto de muitas mulheres e no de um cavalo. Não deve ser muito diferente.
- Você deve estar louca de que eu vou deixar você tocar nos meus cachorros...
- Minha santa mãe do céeeu.- Atormentou Philippe - Ok eu vou sentar e assistir a pobrezinha morrer, né?!
- Senhor, todos os partos são iguais, ou a mãe coloca a cria para fora ou a mãe morre.

 Richard tentou protestar, mas a menina lhe ignorou e se voltou à Priscila.
- Eve, você consegue? Ela vai sobreviver? Você acha que os filhotinhos vão morrer? Se a mãe deles morrer, quem vai cuidar deles? E...-
- Philippe, calma! - Eve interrompeu o tiroteio de perguntas – Até parece eu quando mais nova... Escute Peça para que seu deus a ajude sim...
- Eu posso pedir para nossa senhora, ela também e mãe... vai gostar de proteger uma mãe...
- Peça... Senhor, pode conseguir um pouco de água?
- Espero que saiba o que está fazendo – Resmungou
- Eu ainda estou esperando a água...
Meu pai, protetor dos animais... Sei que não tenho instrução para a dificuldade que me é apresentada. Mas, confio em teu julgamento. Conduz meus passos errantes para cumprir mais essa tarefa. Minhas mãos são suas. Mãe, senhora e soberana. Todos viemos de um mesmo útero. Todos somos criaturas de teu ventre. Daí força a esta mãe. Daí a ela o que ela precisa para que possa cumprir seu próprio propósito. Senhora do mundo, é tua a minha boca... 
 ~X~
Meu pai do céu. De tuas mãos foram feitas todas as criaturas. Sei que sou pequeno para sua gloria senhor. Mas, por favor, que a cachorrinha não morra. Que ela possa viver e ser uma boa mãe para seus filhotinhos. Que eles não morram sem mãe e que ela não morra e seus filhotinhos fiquem tristes e sem teto. Até o papai cachorro ta preocupado... 
 ~¢~

Quando Richard voltou com a bacia de água viu o garoto abraçado no pescoço da moça pulando de alegria. A menina olhava para a cadela como se estivesse diante do milagre da vida. Paul correu ao seu encontro o lambendo, demonstrando a felicidade. Priscila estava lambendo seus pequenos, eram cinco filhotes, quatro vermelhos e um branco.

Richard ficou extremamente agradecido à moça e ao pequena rapaz que o ajudaram a manter viva a mais forte lembrança que tinha de seu pai. Todos os dias os dois vinham visitar Priscila e seus filhotes.

Os filhotes cresciam fortes e saldáveis. O branquinho tinha uma grande afinidade ao colo e aos carinhos de Evelyn, enquanto um dos vermelhinhos, uma fêmea sempre corria atrás Phillipe logo que ele chegava. Richard, sempre acabava dando alguns pães, ou um almoço que comprara por acaso em sobressalência e Evelyn passou a fazer perfumes para Richard como uma troca pelo pão e pela comida ofertada. 

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