Lixo da sociedade


- Seus cabelos estão cada dia mais bonitos, deusinha. Eu gosto da cor deles... – Daenyres penteava os cabelos da sacerdotisa como uma criança enfeita sua boneca. - Talvez... Um pouco mais de brilho... Eu adoro brilho... Pronto... Você está linda agora... 
- Briiiilhoooo - Gritaram as fadinhas e as pequenas elementais em sincronia. Brilho! Brilho! Brilho! - Elas voavam entrançando pelos longos cabelos de Evelyn eufóricas com a luminosidade do cabelo da sacerdotisa. Até que uma dor gélida toma o corpo de Evelyn. Sua cabeça parecia explodir a uma voz que pouco a pouco se tornava mais nítida. 

- SAIAM JÁ DA MINHA CALÇADA SEU LIXO IMUNDO. 

Eram por volta de 4 da madrugada. Evelyn e Philippe estavam encharcados. Uma mulher estava a porta com um balde de água vazio. 
- Xô! Xô! Sai... Bando de vagabundo...- Resmungava - Sujando a minha porta... 

 Evelyn pegou ou Philippe e saiu, o garoto tremia. Jogar água em alguém no inverno era crueldade... O sol ainda não dava notícias de seu nascimento. O vento frio cortava a pele, enrijecia os lábios, trincava os dentes e as roupas, agora molhadas, não ajudavam muito. Evelyn caminhou com o garoto até encontrarem uma praça. A garota preferia ficar nas praças que em calçadas, mas, desde que a sacerdotisa se envolvera em brigas com algum dos moradores que queriam tirar proveito da infantilidade de Philippe, tanto Evelyn, quanto o garoto, resolveram sair do lugar. 
- Vamos fazer uma fogueira, certo?! 
- Mas... eu não sei fazer fogueira... – Respondeu Philippe batendo os dentes 

- Não se preocupe... – Ela havia aberto o casaco e estava abraçando o garoto, aquecendo a criança com seu próprio corpo. A manhã começava a clarear lentamente. Evelyn havia carregado o garoto nas costas brincando tentando alegrá-lo. Chegaram a um casebre abandonado. Parte do telhado estava destruído e as paredes cheiravam a abandono. A sacerdotisa dispôs os galhos de uma arvore que estava quase invadindo a construção e ascendeu a fogueira. 
 - Bem melhor agora, hein... Lipe?! – Ele se afagou nos braços da garota junto a fogueira. – O que houve? Você está abatido desde cedo... 
- Uma vez eu vi umas pessoas comentando. “Você é o que você come...” A gente cata lixo Eve... É o que a gente come. Ate quando a gente vai ser lixo? 
- Então é isso? Você está se achando um lixo?- O menino continuou olhando para as chamas e então, começou a chorar – Philippe... Eu vou te contar uma história que eu ouvi de uma sacerdotisa. Eu havia encontrado um filhote de Águia. Eliene, que era a sacerdotisa que cuidada dos animais feridos, me contou que certa vez houve uma grande tempestade e várias arvores caíram, numa delas havia o ninho de uma águia. O ovo então caiu e rolou para perto de onde o fazendeiro cuidava das galinhas. O homem apressado, recolheu todas as aves e todos os ovos e levou ao... Aquela casinha lá das galinhas... - O menino riu. Os olhos atentos do garoto sequer piscavam, prestando atenção em cada palavra – O tempo passou e uma galinha chocou o ovo da águia. E a pequena águia cresceu comendo como uma galinha, vivendo como uma galinha... 
- E a águia morreu como uma galinha? Que triste... 
- Espere eu continuar... Um belo dia um desses homens estudiosos conhecedores das espécies dos animais, não sei como vocês chamam por aqui, bom, o homem viu a majestosa águia, rainha dos céus, ciscando como uma galinha. Ele logo tentou convencer o fazendeiro a tirar a águia daquela situação. Sabe o que o fazendeiro respondeu? 
- Não... 
- Mas, meu senhor, isso é uma galinha. - Ela falou tentando imitar a voz de um homem do campo. O garoto riu, ela colocou novamente a voz de “narradora” - O homem continuou. Meu senhor isso é uma águia. Ela é e será sempre uma águia. Este coração a fará um dia voar às alturas. Não, insistiu o camponês. Ela virô galinha, ela veve com as galinha, ela bica com as galinha, ela é uma galinha, e jamais vai voar, porque galinha não voa.  O estudioso então disse para o fazendeiro: Deixe eu lhe mostrar que é uma águia. O fazendeiro retrucou. Pois eu provo que é uma galinha. 
- E então?
- Então decidiram fazer uma prova. O estudioso tomou a águia, ergueu-a bem alto e, desafiando-a, disse: Já que você de fato é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, então abra suas asas e voe! A águia ficou sentada sobre o braço estendido do naturalista. Olhava distraidamente ao redor. Viu as galinhas lá embaixo, ciscando grãos. E pulou para junto delas. O camponês comentou: Eu lhe disse, sinhô ela virou uma simples garlinha. O estudioso ficou indignado: Não! tornou a insistir o naturalista, ela é uma águia. E uma águia sempre será uma águia. Vamos experimentar novamente amanhã. No dia seguinte, o estudioso subiu em cima da casa e jogou a águia lá de cima. Ela se debateu, tentou planar, e caiu no chão como uma galinha. O fazendeiro logo alardeou: Eu não disse... é uma galinha... caiu tortinha como uma galinha. O estudioso inconformado pegou a águia e a jogou de novo... 
- E ela voou? 
- Nada, ela caiu tortinha como uma galinha. Ela num era uma galinha já. Desde que ela nasceu, foi criada como uma galinha, comeu como galinha, ciscou como galinha. Ela já havia se tornado uma galinha. Não é?! 
- é... – respondeu triste. 
- Mas... O estudioso não acreditava nisso: Ela é águia e possui sempre um coração de águia. Vamos experimentar ainda uma última vez. Amanhã a farei voar. No dia seguinte, o estudioso e o camponês levantaram bem cedo. O estudioso pegou a águia e saiu a caminho do alto de uma montanha. Vem para a  montanha comigo... - Evelyn junto ao garoto começaram a subir na construção. Agarravam-se nas virgas e subiam como duas crianças danadas - O camponês saiu atrás gritando: Me dervorve minha galinha!... Oce vai matar minha galinha! O sol estava nascendo e dourava os picos. O estudioso ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe: - Águia, já que você é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, abra suas asas e voe! A águia olhou ao redor. Tremia, como se experimentasse nova vida. Mas não voou. Então, o naturalista segurou-a firmemente, e amarrou um saco em sua cabeça e a jogou. Ela desesperada se debateu como uma galinha. Tentou cair como uma galinha mas o chão não vinha, então ela parou de procurar ver e ouviu seu coração. Sabe o que ele dizia
- Você vai morrer?
- Isso também, mas ele dizia... Abra as asas...- E ela esticou os braços do menino como se fossem asas Philippe olhava para a garota admirado. Sua voz era tomada de uma emoção que tocava 
- Abra suas asas, acredite nelas. Você não é o dizem que você é. Não importa se te criaram como uma galinha. Não importa se todos esses anos você se comportou como uma galinha, comeu como uma galinha. Mas você ainda é o que você é. Abra as asas e ganhe o céu. Voe mais alto que  qualquer galinha, que qualquer águia. Voe...  - Ela abria os braços do rapaz. O vento passava forte, saudoso, com o calor da manhã que levantava. - A aguia tirou o saco da cabeça o rasgando com as garras e viu... Olhe o que ela viu Philippe...
O garoto, que até então olhava para Evelyn atento a suas palavras, olhou para o horizonte. O céu multicolorido raiado de vários tons, a suave neblina, a dança entre o sol, o céu, a cidade e o ar.
- Então ela voou o mais alto que conseguiu. Depois pousou numa pedra e como se agradecesse.


- Então Ergueu-se, soberana, sobre si mesma. E recomeçou a voar, a voar para o alto e voar cada vez mais para o alto. Existem pessoas que nos tratam como galinhas. Mas você é uma águia, Philippe. Você nasceu para ganhar o céu. Seu coração é nobre como o coração de um rei. Ele sempre vai ser assim...

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