Mãe Honorária


O frio estava aumentando. Pessoas agasalhavam-se pelas ruas. Mendigos pediam esmolas nas calçadas com canecas enferrujadas. Vez ou outra, moedas titilavam no metal. Vez ou outra, chutes machucavam a pele.
Na tela de uma TV de uma loja de eletrônicos. Um filme se encerra com uma flor vermelha adornada com um laço negro sendo colocada sobre um tumulo. Uma jovem esbravejava na calçada indignada com o final do filme, enquanto um garoto ria largamente da situação. Ele estava feliz. Não se lembrava da ultima vez que rira tanto. Sequer lembrava se alguma vez rira tanto. 

- Eu to com vontade de dá na cara dela. Como que ela pode fazer isso com ele. O mínimo era apaixonado por ela. 
- Mas ele era mal, ele quase a matou, Eve. 
- Porque ela quis largar ele pra ficar com aquele outro. O outro tinha rosto de mulher... Enquanto o fantasma tinha aquele negocio... E viu como ele a amou até o fim. Mas, eu entendi, ela não era boa o suficiente pra ele. 
- Eu gostei do macaco. 
- E a outra mínima, a loirinha... 
- Ela era mais bonita que a Christine 
- O Fantasma deveria ter ficado com ela!... 

Eve abraça Philippe pelas costas apoiando os braços nos ombros do rapaz e o queixo em sua cabeça.. Ambos continuam caminhando, agora em passos sincronizados ate o abrigo. Lá, um grupo de voluntários distribuía sopa para os moradores de rua. Já havia duas semanas que Evelyn não comia algo decente como uma sopa. Ultimamente só estavam se alimentando de restos de comida no lixo de restaurantes. E ainda assim, tinha que brigar com outros moradores pela “comida”. Evelyn saiu da fila ansiosa para começar a comer. Um dos voluntários com quem conversara havia lhe dado mais um pedaço de carne na sopa. Sentou-se em um banquinho ao lado de Philippe, o garoto, entretanto estava de mãos vazias e com o rosto avermelhado. 
- O que aconteceu? 
- Nada – Ele respondeu sem muita convicção. 
- Já conversamos sobre isso Philippe... Honestidade... 
- Pegaram a minha sopa – Soltou levantando a cabeça lentamente. Evelyn o encarou, séria. – Mas... Eve... por favor... 
- Fique com a minha, eu vou buscar a sua de volta. 
- Eve... não... por favor, ele vai te machucar. – Segurando o choro 
- Fique aqui, eu já volto. 

A garota saiu pelo parque onde os moradores estavam espalhados até que viu a vasilhinha de Philippe. Estavam numa mesa de pedra, havia cerca de cinco tigelas com sopa sobre ela embora só houvesse três pessoas à mesa. 
- Com licença. Isso pertence a um amigo meu. – Pegou a tigela de Philippe e saiu. 
- Onde a bonequinha pensa que vai com a minha comida? – Um homem branco, robusto e alto se levantou. 
- A sua comida continua em sua mesa, senhor. Eu estou levando a comida do meu amigo. Passar bem... 
- Você não vai querer brigar comigo, bonequinha. Eu te esmago com uma só mão. 
- Você vai precisar de mais de uma mão para encostar em mim.

O sol se mostrava por entre algumas nuvens. Pássaros cantavam indiferentes à riqueza e à pobreza humana. Uma garçonete cruzava a calçada com cubos de gelo envoltos em uma flanela. 
- Aqui garotinho... Pegaram feio sua amiga. 
- Obrigada moça. 
- Tem certeza que não vão à policia Ou que não vai levá-la a um hospital? 
- Ela vai ficar bem 
- Por que vocês estão falando como se eu não estivesse aqui?!- Resmungou Evelyn
- Onde está a mãe de vocês? - Indagou a garçonete
- Eu estou como guardiã deste jovem, por hora... -Soltou Evelyn enquanto tentava decidir sobre qual dos machucados colocaria a bolsa de gelo primeiro.
- Então você está como "mãe honorária", acho que está precisando de um treino - A moça ria e foi embora com um: "Se cuidem...".  Por fim, Evelyn colocou o gelo no rosto inchado. 
- Mãe Honoraria? - Desntou rir enquanto cuspia o sangue que se acumulava em sua boca.
- Você não parece uma mãe.
- Mas, por quê?! Eu fui exemplar hoje... - Assanhando os cabelos do rapaz
- Evee... - Ela tentava rir, Philippe entretando estava aflito enquanto analizava os machucados da garota - Eu disse que ele ia te machucar 
- Mas, eu fiz ele usar as duas mãos, e os pés, e a bandeija...
- E tudo que ele pôde usar pra te bater, né?! 
- Exato! - a garota tentou simular uma pose triunfante mas as dores lhe dominaram - Mas ele quase não me pega...
- Imagine se tivesse pego, você estaria morta... -
- Philippe, se aproxime, escute... - O garoto se curvou para apriximar o ouvido da boca dela - Eu venho da selva braba, eu rio na cara do perigo... Hahahai ai...  doeu...
O garoto se afastou rindo tentando desanuviar a cabeça da aflição, notando que evelyn estava ignorando completamente
- Você quase me mata do coração, isso sim... – Evelyn se debruçou sobre as costas dele cruzando os braços em seus ombros. Os socos foram fortes, mas Evelyn já sentira coisa pior durante seu treinamento em Avalon. Saíra da briga de pé. Estava satisfeita. Fechou os olhos e respirou fundo. E deixou o garoto guiar o caminho. - Vamos para casa, minha mãe honorária mais perturbada que eu... Você não é normal Eve...
- É bom apanhar de vez enquando para lembrar que se está vivo - Soltou a menina rindo
- Eu não concordo com isso não! Eu lembro muito bem que estou vivo sem sair me quebrando.

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