Semi consciência


Uma dor vertiginosa me faz recobrar a consciência, mas, meu corpo está dopado demais para me obedecer. É difícil perceber alguma parte do meu corpo que não esteja enfaixada nesse momento. Consigo sentir o curativo pesando em minha bochecha. O que mais me incomoda na verdade é o fato de estar consciente, mas sem poder me mover, sentindo a vertigem de ter pessoas mexendo entre as minhas pernas. Parece que estão com dificuldade de retirar todos os pedaços de vidro de lá. 

O quarto é branco. Há uma janela no local que me mostra um céu nublado. O sol parece não estar querendo ver essa cena. Minha cabeça ainda quer explodir. Escuto o vidro dançando na bandeja de metal. É dificil dizer que sentimento esse barulho me trás. Os tubos que enfiaram nas minhas narinas incomodam. Várias máquinas parecem monitorar meus batimentos. Porque tanta preocupação assim em me manter viva se naquele momento, sangrando enfiada embaixo da terra, sentido dores que nem imaginava ser capaz de suportar, somente os vermes e os insetos foram minha companhia?

Mas, eu não posso reclamar. Eu fiz uma escolha, o que vier é conseqüência. Se fosse uma pessoa leiga, seria mais fácil, assim poderia pelo menos me revoltar contra os deuses, mas eu não sou. Eu cresci sabendo exatamente o que se responder a todas as perguntas de uma pessoa que passasse por uma situação assim. Além disso, eu os amo demais e eu particularmente me acharia injusta se os culpasse. Não foram eles que me sangraram como numa brincadeira...
Parece que Chad fez um bom serviço, os médicos parecem aflitos. Minha consciência foi embora outra vez, até que eu escuto alguns médicos conversando. Parecem querer retirar o meu útero. Meu coração se desesperou, era como atear fogo e jogar sal num terreno onde houve um desmatamento. Era extinguir qualquer possibilidade de vida. Tentei gritar um “não” em protesto, mas, possivelmente não tenha saído mais que um sussurro. “Não se preocupe” ele respondeu calmo como se fosse possível, “vamos fazer o possível para que este seja o ultimo recurso”. O outro médico olhava um tanto surpreso “Ela consegue manter a consciência?!”. “Ela é uma garota muito forte. Nem sempre os remédios a colocam pra dormir”. 

Quando noite chegava eu tinha a impressão de ver Philippe sentado, rezando ao lado da minha cama. Até que vinha uma enfermeira e dizia que era hora da troca de turno, que a equipe já estava indo e os outros não podiam saber que ele estava entrando na sala.  Vê-lo vivo e bem me acalmava o coração. Ele estava bem, era só o que me importava.

Um dia em especial houve bastante movimento. Talvez tenha sido logo que cheguei, mas não tenho certeza. Vários flashes e muitas vozes. " É ináceitável que eles saiam ilesos disso. É revoltante. ” alardeava um rapaz. A voz dos médicos era fácil de discernir. “Ela chegou morta, tivemos que ressuscitá-la com um desfiblilador. Eu nunca vi alguém sobreviver ao que ela passou. Era difícil identificar uma parte dela que não estivesse fraturada.” Ele mostrava umas chapas azuladas à pessoas fardadas, policiais, eu suponho. Um fotógrafo parecia chocado com as assinaturas mascadas a pelo meu corpo. O nome “Chad” era o maior deles. Exuberante, marcado na pele branca.

Nove nomes cravados na pele.
Chad...
 Broock...                   
                                         Clarck...
 Peter...                                                               
 Michel...                               
                       Carl...                                                                                                                        
                                                            Marchal...
 Andrew...                
         Gilbert...

Várias fraturas cranianas, um maxilar delocado, várias costelas quebradas. A coluna resistira por pouco. Hemorragia interna. Vias respiratórias obstruídas. Graves lesões na pelvis.. A genitália completamente destruída...  Um coração parado.

 A voz de uma mulher me pareceu estranhamente singular. Ela entrou na sala com um "Essa foi a garota que sobreviveu?!" Não me recordo de seus traços. Mas a sua voz ecoava me dando um frio na espinha, algo que estranhei sentir numa situação em que não sentia muita coisa. "Minha afilhada morreu pelas mão desses mesmos delinquentes, ficarei feliz em ajudá-lo com o que for preciso Senhor Foster..."

E tudo desaparece outra vez...

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