Não teve graça

Meados de Junho.
Evelyn, treze anos
 Gawaine catorze.

A primavera estava alta e já dava seus nuances de verão. Os dias ficavam cada vez mais quentes a medida que o deus, a criança da esperança nascida na primavera, crescia e ganhava força se tornando homem. As flores exibiam sua beleza e perfume atraindo pássaros e abelhas. A terra despertava para um novo ciclo.


- Orfeu será o mais rápido de todos os cavalos!- Bradou Evelyn enquanto vencia uma disputa acirrada contra Gawaine. 
- Seu cavalo pode até ser bom, mas você corre como uma menina...
- E você queria que eu corresse como o quê!? 
- Vamos, Rhiamon, vamos mostrar como os guerreiros cavalgam- O cavalo acelerou e acabou se chocando contra o de Evelyn que sem um bom apoio para se segurar, caiu do animal. Orfeu deu alguns galopes antes de notar a ausência de sua amazona e voltar. Ao notar a queda da garota, Gawaine freou seu cavalo fazendo o animal enfiar as patas na terra para conter a velocidade. O garoto precisou se segurar firme para não ser arremessado para frente. Recomposto, Rhiamon fez o caminho inverso a um ritmo mais calmo, desviando dos galho e raízes do terreno irregular da floresta. 

Evelyn estava sentada em um tronco analisando os machucados. Seu antebraço estava ralado e seu cotovelo ensanguentado. O rosto estava esfogueado, mas a menina não chorava, fazia caretas regulares quando tentava mexer no braço. Gawaine chegou rindo. 
- Caiu do pé, maçãzinha?- A menina deu um meio sorriso choroso 
- Será que quebrou? 
Gawaine desmontou com um olhar mais sério que o de antes.:
- Me deixe ver...- O garoto começou a analisar o braço da menina sob a supervisão apreensiva dos olhos de Evelyn. Eles o fitavam ansiosos, cristalizados em um verde esmeralda atento. Como se quisessem ler a gravidade do problema nos olhos do rapaz. Gawaine arqueou um sorriso. Era fascinante a sensação de ver toda a emoção de uma pessoa se alterar diante de uma expressão sua. Franziu o cenho, ficou com uma face mais séria e viu pelo canto do olho Evelyn quase ter um ataque de nervosismo. Ela não olhava para ferimento, mas para sua face, como se sua opinião fosse mais importante que qualquer coisa. Sempre o fazia se sentir assim, importante, útil. 

Depois que apreciou um pouco mais o sofrimento e a apreensão no rosto da menina ele concluiu. 
- Não está quebrado, precisamos lavá-lo. Mas logo estará novo em folha. 
- Tem certeza?
- Não está nem machucada de verdade, você apenas se arranhou. 
- Um arranhão faz todo esse sangue? 
- Não, quem fez esse sangue foi seu corpo, não o arranhão. 
- Seu chato!
- Venha, tem uma queda d'água aqui perto. - Gawaine a segurou pela cintura e a ajudou a montar em Rhiamon. 
- Acha que seu Orfeu consegue nos seguir ou você precisa pegar as rédeas dele. 
- Orfeu é inteligente...

Evelyn deu um assobio e seu cavalo começou a segui-los. Gawaine a colocou na frente de modo que ficou quase a abraçando quando começaram a cavalgar. A menina relaxou o corpo se apoiando no rapaz. Estava cansada. O braço estava ardendo e seu ombro latejava e pior que tudo isso, sabia que Nínive não iria dispensá-la de nenhuma atividade por um braço inchado ou um ombro dolorido. O caminho até a queda d'água foi tranquilo. Pararam vez ou outra para colher algumas ervas que Evelyn mastigava fazendo graça.

O sol estava a pino quando chegaram ao pequeno lago que se formava após a queda d'água. Os cavalos foram comer algumas frutas e matar a sua sede enquanto Evelyn brigava para lavar o braço sem sujar o vertido mais do que ele já estava. Gawaine ria diante das tentativas inúteis e da indignação da menina em não conseguir cumprir a tarefa. Por fim, irritada e resoluta, ela levantou-se e se aproximou do rapaz. 

- Gawaine, puxe o laço do vestido, sim?! - Pondo-se de costas. O rapaz hesitou. - Por favor... é difícil pra mim desamarrar com o braço doendo. É só puxar o fio comprido e afrouxar as cordas... 

Ela afastou os cabelos exibindo o enlaçado nas costas do vestido. A medida que afrouxava os laços, Gawaine via a rósea pele da garota se mostrar aos poucos entre os cordões azuis do vestido. Seu coração acelerou pouco a pouco.
- Pronto! - Soltou a garota o arrancando do “transe”- Já está bom... 
- Ao seu dispor… - Respondeu cortês com o sorriso displicente de sempre sem demostrar nervosismo. 

Evelyn se embrenhou entre as folhagens, enquanto Gawaine ficou a margem do lago admirando a queda d'agua que deslisava pelo ar como cristais de diamante, tentando afastar da cabeça a imagen da pele nua surgindo entre os cordões de um vestido. Então, o rapaz notou uma mancha vermelha na água vindo vagarosamente em sua atenção. Uma mancha de um vermelho conhecido, cacheado. Evelyn deu um pulo espalhando a água para todos os lados com um grunido... GHRAW !!! Depois afundou na água engasgando, impedida de respirar pelos cabelos ensopados que cobriram seu rosto a fazendo inalar água. Gawaine caiu na gargalhada.

- Que pessoa horrível.- E tossiu - Eu morrendo afogada e você aí rindo... - Imersa até o pescoço e com o rosto avermelhado típico de quem sufoca.
- O que está fazendo aí? Monstro marinho que não respira embaixo d'água...
- Está gelada, é bom para melhorar o braço. E então, te assustei?!
- Nem um pouco
- Poxa...- Houve um instante de silêncio. Gawaine permaneceu sentado à margem tentando não pensar muito no fato de que aquela fora a primeira vez em que ele quase despira uma dama. Entretanto, mais uma vez, Evelyn o puxou à realidade.
- Você vai ficar aí feito estátua de pedra? Não vai vir nadar?
- É melhor não...
- Por quê?
- Alguem precisa vigiar os cavalos...- A menina arqueou as sobrancelhas demonstrando não estar nem um pouco convencida. Gawaine continuou: - Alguém precisa vigiar as suas roupas... - A menina manteve a expressão
- Você nem sabe onde estão minhas roupas...- Ela aguardou uma nova desculpa que não veio. - Está bem, se você não quer mais tomar banho de rio comigo tudo bem... Não tem problema, não...- Entoando uma voz entristecida porém conformada. Gawaine respirou fundo e derrotado embrenhou entre os arbustos.

Evelyn esperou alguns minutos, mas o rapaz não apareceu. Começou então a brincar, ainda meio desolada. A torrente da pequena cachoeira caia cristalina em uma pequena lagoa cujas rochas turvavam a água e lhe dava uma cor acobreada. Evelyn estava distraída massageando o braço quando sentiu um movimento na água a seus pés. Seu coração acelerou. Então sentiu uma mão puxando sua perna. Um grito de medo escapou seguido por um:
- Em nome da deusa. Perdoe-me por invadir sua casa!!
A criatura começou a emergir a medida que o pânico na garota crescia.
-  GHRAW!- Grunhiu Gawaine 
- Por todos os deuses, Gawaine, quer me matar do coração!- Evelyn não sabia se estava furiosa, feliz, tranquila ou a beira de uma parada cardíaca...
- E então, te assustei?!- Com um sorriso largo e satisfeito...
- Não teve graça... isso não teve graça...

A menina tentou ficar intrigada por algum tempo, mas logo os dois estavam brincando de afogar o outro ou dessas coisas que as crianças brincam quando estão em um rio, quando a vida lhes dá uma pequena folga e elas podem se permitir um momento. O braço de Evelyn não estava inchado como poderia ficar, mas, ainda estava dolorido. Dor essa, que a menina preferia ignorar, adiar para um momento que que não houvesse nenhuma distração para ajudar a esquecê-la.
~><~
- Cansei - Soutou a menina em um suspiro...
- O braço está melhor?
- Está sim...
- Então vamos?! - se encaminhando para uma parte mais rasa do lado.
- Me leva nas costas...- Evelyn deu um impulso na água e deslisou para as cortas do rapaz, cruzou os braços pelos ombros do menino num abraço. Gawaine pôde sentir o toque da pele nua da menina na sua. Uma pele macia, quente. Um calor que lhe tomou o corpo e ele parou. A menina ainda batia as pernas vagarosamente em seu nado, estava com a cabeça apoiada no ombro do rapaz de modo que ele podia sentir a respiração em sua nuca. A pele do rapaz estava arrepiada, o coração acelerado e seu corpo pulsava, forte e quente. 
- Você está bem?! - A voz da garota saiu meiga e envolvente. Simplesmente perfeita. Exatamente o que Gawaine não queria no momento. 
- Evelyn, largue-me! - A menina se assustou com a força da afirmação -.. Vá na frente... eu vou dar mais uns mergulhos
- Mas nós não vamos juntos?!
- Me deixe! 
- Gawe-
- Não nascemos colados um no outro, Evelyn. Estou cansado de brincar com uma menininha... Me dê espaço!
Evelyn o olhava chocada tanto com as palavras, quanto com o tom. Mas Gawaine não estava se pensando em como as palavras saiam. Queria que ela saísse o quanto antes, constrangido e amedrontado, temendo que ela pudesse notar o estado de seu corpo ou como ela iria reagir, irritado como um animal acuado.
- Gawaine, essa brincadeira não tem graça... - Respondeu com uma voz cautelosa, quase amendrontada. 
- Pegue as rédeas de seu maravilhoso cavalo e vá! - Virou-se e deu um mergulho.

Evelyn ficou parada ainda alguns minutos tentando entender o que havia acontecido. Tentava entender se havia alguma brincadeira por trás da atitude, mas não; Gawaine havia sido rude com ela como nunca fora. Vestiu-se, tomou as rédias de seu cavalo e cavalgou sem ver o caminho de volta para o templo. Não ouviu as reclamações de Ninive sobre o horário ou sobre a roupa suja de sangue.  Cumpriu suas tarefas sem muito afinco, sem muitas palavras e quando deitou em sua cama a noite, talvez tenha chorado, mas isso... ela também não percebeu

2 comentários:

  1. olá amiga tudo bem?

    passando para visitar vc e o seu cantinho. saudades de vc lá no http://3fasesdalua.blogspot.com

    seu cantinho sempre magico

    bjs

    Selma

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  2. Minha querida, estou escrevendo, pois gostaria de publicar um texto seu no meu blog.

    So me daria alegria, fique bem a vontade para pensar.

    http://3fasesdalua.blogspot.com

    bjs

    Selma

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