Cidade de Ferro

Paul estava sentado na calçada comendo seu cachorro quente. Era uma noite fria em Londres. O café amargo descia rasgando a garganta, despertando qualquer célula que ousasse querer dormir. Um garoto desesperado passou a sua frente, o menino era um ladrãozinho de rua e Paul o conhecia bem. Filho de Dayse, uma das criaturas mais insuportáveis que habitava por aquelas ruas. 


As pessoas passavam pelo garoto como se ele fosse um cachorro incômodo. Alguns vendedores ameaçaram a criança para que o menino não se aproximasse das lojas. O garoto implorava para que alguém o ajudasse a salvar sua mãe. A velha parecia ter se metido em mais uma briga. Tomara que morra, logo. Pensou Paul enquanto acendia um cigarro. 

Porém, toda a atenção do velho homem foi tomada quando ele viu uma moça do outro lado da rua. Era linda. Os cabelos dourados como ouro com algumas tranças finas, uma pele rósea, os lábios de um vermelho forte, os pés estavam descalços, tratava-se de alguma atriz, supôs imediatamente devido ao vestido da jovem. O garoto a abordou como fazia a todas as pessoas que passavam. Ela, entretanto, pareceu ser a única pessoa que lhe deu ouvidos. O garoto saiu a puxado pela mão. Paul jogou o cigarro no chão e o esmagou. Se aquele infeliz machucasse aquela moça por causa da vaca da sua mãe, iria dar uma surra tão grande no moleque que ele na iria se levantar por três dias. 

Quando Paul chegou ao beco, Dayse estava desmaiada no chão. O morador de rua havia dado um empurrão na moça de cabelos dourados que a fizera se chocar contra a parede, o garoto tentava arrastar o corpo gordo e flácido da mãe para fora da briga enquanto o mendigo se distraia com a jovem. Paul e outros homens entraram na briga. Algumas mulheres ameaçavam o mendigo. Pessoas alardeavam sobre a falta de segurança no local e sobre a audácia do mendigo em agredir uma “pessoa de bem”.

Evelyn estava tonta. Sua cabeça havia se chocado contra a parede com violência. Seus pés sangravam por ela ter pisado em algo cortante. Outras pessoas haviam se envolvido na briga, outras gritavam coisas que ela não entendia muito bem. Termos que não fazia sentido. Tentando se desvencilhar da situação, a sacerdotisa se esgueirou e começou a ajudar o garoto a arrastar a mulher. 
 - Philippe, deveria ter vergonha de colocar uma mulher no meio dessa briga. – Acusou Paul. O menino apenas abaixou a cabeça e tentou arrastar a mãe mais rápido. 
 - Vergonha? - Soltou Evelyn em um tom notório de indignação. Se aquelas paredes fossem como a casa de Daenyres, elas teriam ficado roxas naquele momento – Ele não tem de que se envergonhar. Estava tentando proteger alguém a quem queria bem. Enquanto vós, permanecestes inertes. Deveras é mais jocoso ver dois mendigos matando-se. Entretanto, a partir do momento em que “uma pessoa de bem” leva um safanão, vós intercedeis. Questiono-lhe, por qual motivo? Acaso minha vida é de mais valia que a dela? Por que motivo a vida desta senhora é melhor ou pior que as vossas. Quem acaso não necessita de ar  para respirar. - Evelyn falava não só para Paul mas para o aglomerado de pessoas, já estava vagando pelas ruas a quase uma semana e já estava familiarizada com o comportamento dos locais. - O que define o valor de uma pessoa não é sua posição social, mas seu caráter. - Encerrou. Então virou-se para a criança - Agora vamos, pequeno... Aonde nós podemos levá-la? 

Dayse era uma mulher de meia idade, era grande e corpulenta, o rosto arredondado, pele clara e cabelos castanhos. Usava vários casacos e isso a fazia parecer maior. O garoto, assim como a mãe, tinha os cabelos castanhos, a pele clara era marcada por um mosaico de hematomas variando entre o roxo, o vermelho e o amarelo. O menino tinha cerca de dez anos, e Evelyn pôde notar o quão magro ele era quando o menino tirou seu casaco e o ofereceu a ela. 

Caminharam até uma praça arborizada um pouco distante do tumultuo. No centro da praça uma fonte servia de bebedouro e banho. Evelyn colocou a mulher embaixo de uma arvore e saiu. Se iria curar a mulher, não podia fazê-lo na frente do menino. Já havia estudado sobre o mundo humano o suficiente e analisado muita coisa durante esses dias de caminhada para perceber que o místico deve ser escondido acima de tudo. Agradeceu por conhecer as habilidades das ervas, poderia curar com suas porções sem ser muito visada. A sacerdotisa voltou com algumas plantas, mascou alguma e colocou na boca da mulher.
- Ela vai ficar bem. - Tentou tranquilizar o garoto.
- Muito obrigado. Você foi muito corajosa. 
- Eu aprendi que se seu coração está indignado com alguma cousa. Não se deve calá-lo, é uma ofensa a quem precisa ouvi-lo.  - E sorriu seu melhor sorriso.
- Você... é a coisa mais linda que eu já vi. Você é como um anjo. Você foi meu anjo esta noite.
- Que cousa seria esta? – Ela deu um sorriso que fez corar a face do rapaz. 
- Um anjo.. é um anjo.
- Mas que criatura seria esta?
- Depois eu explico.
- Acaso poderias ajudar-me com uma cousa? 
- Qualquer coisa... 
- Preciso chegar a este lugar. – a sacerdotisa tirou do decote uma folha arrancada de uma revista. Philippe se sentou na fonte onde a iluminação era melhor. 
- Stonehenge? 
- Sim! Eu estou indo fazer uma garavação de um film lá, eu sou uma artista.
- Atriz?
- Exatamente! Mas eu acabei me perdendo da minha...
- Equipe?
- Exato!  Equipe! Eu não sou destas terras então acabei me perdendo. 
- Deve ser por isso que você fala estranho. Mas, como você acabou ficando assim? Seu pé está cortado?! – Ele fez um gesto com a mão para que ela lhe mostrasse o pé e ela obedeceu. 
- Saqueadores levaram meus pertences. Quando me apercebi, estava sem nada. 
 - Que triste. – O garoto começou a limpar o corte no pé da sacerdotisa - Mas... você vai sozinha pra lá? Pode ser perigoso... Eu posso falar com a minha mãe, talvez nós possamos lhe mostrar o caminho... – Soltou casualmente.

Evelyn estava satisfeita. Depois desses dias em que caminhara quase sem parar encontrara várias pessoas que, sem saber, a ajudara a formular esta desculpa perfeita, não sabia o que era uma atriz, mas dizer que era uma acabava com muitas perguntas, supunha que o termo se referisse a uma viajante ou uma artista de trupe. Daenyres não gostava de mentiras, mas abria exceções quando se travava de esconder dos humanos as habilidades mágicas. Não estava sendo desonesta. Estava cumprindo a sua palavra em proteger seu povo.
- Então, você também está sem teto? – Soltou o rapaz quebrando a concentração da sacerdotisa 
- De certo modo que sim.
Phillipe riu.
- Se você quiser ficar com a gente... Eu posso te ajudar, pelo menos a conseguir um sapato 
- Seria de grande contentamento. – Ela sorriu graciosamente, ele sentiu seu coração acerar ...

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