Você vai queimar!

Era apenas um bebê quando sua mãe morreu e ela foi levada à terra das maçãs. Criada no país do verão, cresceu sendo educada para não esmorecer diante qualquer adversidade. Participou de um grande ritual, onde representou a terra em uma coroação a um grande rei. Se perdeu nas brumas e foi levada ao mundo das fadas. Por três anos lá permaneceu. Até que sua sorte foi lançada a terra. Sem nenhuma referencia, se uniu a dois moradores de rua. 
- Onde conseguiste este pão? – Perguntou Evelyn enquanto dividia o pedaço de pão entre ela e o garoto.
- O certo é: Onde você conseguiu esse pão. - Corrigiu com uma voz satisfeita.
- Entendo, pois bem, onde você conseguiu esse pão, Phillipe?
- Bem melhor.
- Estou aguardando sua resposta...
- Eu consegui... Simples, não reclama, come... - Acentuando um certo nervosismo

- Phillipe...
- Eu peguei na padaria. 
- Você roubou? - Sua voz expressava seu desgosto e sua raiva ante o malfeito do garoto de uma forma tão cristalina quanto água pura. 
- Mas ele tem muito pão lá, não é justo nós passarmos fome. 
- Não podemos tirar o que pertence a outras pessoas, Philippe. Isso é errado! Você tem que dar alguma coisa para receber outra. Se você tira de alguém, três vezes a vida tirará de você. – O garoto a olhava assustado. Ela respirou fundo e se acalmou. – Venha. Me ajude a colher algumas flores. Vamos fazer um perfume para retribuir esse pão. 

Desde esse dia Philippe parou de roubar. Não queria decepcionar a única pessoa que havia se importado com ele, uma estranha que lhe dedicava carinho e atenção sem nenhuma obrigação. Porém, sem os roubos, começou a trazer menos dinheiro para Dayse quando regressava a noite.

Então um dia, quando ele explicou que não gostava e que não queria mais roubar, ela se enfureceu... A mulher ordenou que o garoto tirasse toda a roupa e começou a espancá-lo.
- Não mãe... por favor, mãe. Eu prometo que vou me esforçar mais mãe... 
- CALE A BOCA SEU FILHO DE UM DEMÔNIO. VOCÊ TEM QUE SOFRER PRA COMPENSAR TUDO O QUE ME FEZ PASSAR. MALDITA HORA QUE EU FUI ESTUPRARA POR AQUELE DEMÔNIO DO INFERNO E DEI A LUZ A VOCÊ. SEU VERME MISERÁVEL ... E AGORA ME APARECE COM ESSE MORALISMO. – O garoto estava nu em posição fetal protegendo a cabeça. Vez ou outra quando a pancada nas costas era muito grade ele se contorcia e ela aproveitava para atingir-lhe a barriga - EU SABIA QUE ISSO IRIA ACONTECER. É SÓ APARECER UMA VACA PRA VOCÊ QUERER ABRIR AS PERNAS DELA E JÁ ESQUECER DA SUA MÃE. 

Evelyn, que dormia numa praça arborizada na região já que Dayse se recusava conseguir abrigo para mais uma pessoa, ou a simplesmente ceder algum espaço do barraco que ela dividia com Phillipe, por sorte, azar, ou simples capricho do destino, resolveu visitá-lo naquela noite.

O menino estava caído no chão enquanto sua mãe o espancava com um pedaço de madeira. Flepas se soltavam e ficavam na pele do garoto, rasgavam as costas, os braços, deixando a pele molhada de vermelho. O garoto implorava por perdão. Evelyn escutou os gritos do menino antes mesmo de chegar a “cabana” e correu. 
- O que você está fazendo com ele? 
- SAIA DAQUI SUA BRUXA! Eu sei o que você quer fazer. Você quer tirá-lo de mim. Vá arranjar outro pra você abrir suas pernas e queimar no inferno. – Ameaçando a sacerdotisa com a tora de madeira manchada de sangue. 
- Você vai matá-lo?! - Evelyn não sabia se estava atunita, furiosa ou preocupada. Talvez os três.
- O que eu faço ou deixo de fazer com esse verme é problema meu. E você pare de encher a cabeça dele com suas palavras demoníacas. Você acha que eu não sei que você usou suas artes das trevas pra me curar naquele dia? VÁ ARDER NO FOGO A QUE VOCÊ PERTENCE, SUA BRUXA DEMONÍACA. 
- Mãe, por favor... ela n – Phillipe é interrompido pelo grito da mulher levantando a madeira em sua direção 
 - CALE A BOCA SEU VERME! - Dayse o teria acertado se Evelyn não tivesse segurado a tora de madeira. 
- Você nunca mais vai bater nele. - O tom de voz, a postura e o ar altivo da Sacerdotisa fizeram a mulher dar um passo para trás. 
 - O que você vai fazer? Me amaldiçoar? 
- Eu não preciso. Você já fez isso por si própria... 

Evelyn largou a tora e cruzou a barraca até Philippe. O garoto se encolhia tanto pela dor, quanto pela vergonha de estar nu. Evelyn tirou o casaco, o mesmo que ele lhe dera no dia que se encontraram, e cobriu o corpo magro e ensangüentado do garoto. 
 - Eu estou indo embora – Sussurrou ela para o rapaz – Você vem comigo?
Philippe não respondeu, Dayse que ouvira a proposta começou a bravejar afrontada.
- VOCÊ VAI MESMO ME DEIXAR PHILIPPE? É ESSA A GRATIDÃO QUE VOCÊ TEM PELA PESSOA QUE CUIDOU E LHE PROTEGEU POR TODO ESSE TEMPO?
- Eu não posso escolher por você. - Evelyn continuou ignorando os gritos da munher
- E vou – Sussurrou.

Evelyn o tomou nos braços com todo o cuidado que pôde. e cruzou a camaba indiferente a mulher que gritava e ameaçava com o pedaço de madeira.
- ENTÃO É ASSIM, VOCÊ VAI MESMO COM ESSA BRUXA. SAIBA QUE VOCÊ NÃO VAI LEVAR NADA DAQUI. NADA! VÁ QUEIMAR NO INFERNO COM A SUA BRUXA PROSTITUTA, PHILIPPE. VOCÊ VAI QUEIMAR... 

 Evelyn caminhou com o garoto nos braços até chegar no parque. Tirou o casaco de Philippe e o colocou na água. E ele estremeceu. O sangue se misturava a água como numa dança, o garoto cobria suas partes intimas envergonhado, entorpecido demais pela dor e pelo frio para notar que a água da fonte, normalmente malcheirosa, estava extremamente limpa, cristalina, pura. O garoto chorou, apesar de todo sofrimento, Dayse era a única família que ele tinha. Se sentia triste pela forma dela de ser. Tinha raiva de como ela ofendera a Evelyn, afinal a garota vinha sendo a pessoa mais legal que ele conhecera na vida. 

As palavras de sua mãe ecoaram em sua mente, junto a todas as lições que escutara em sua idas clandestinas à igreja. E se a jovem que agora lhe banhava fosse realmente uma serva do diabo? Um lobo vestindo-se de ovelha para ganhar-lhe a alma. Mas não conseguia acreditar. Ela era boa, e estava cuidado dele, o protegendo. A menos que... E se esse fosse realmente seu disfarce? A cabeça do garoto doía. Estava confuso. Lembrou-se que ela colhera plantas daquele parque para curar sua mãe. Não sabia de plantas curativas no meio de um parque... Isso era coisa de bruxa. Mas, se ela era uma bruxa e ele filho de um demônio, então os dois já estariam condenados, seria isso? Então não havia nada de errado em eles ficarem juntos e era exatamente isso o que Phillipe queria. Ao lado dela se sentia importante. Nunca mais iria roubar ou fazer qualquer coisa de errado, se isso garantisse que ela fosse ficar a seu lado. Porque como um anjo ela pousou no seu mundo sujo e lhe trouxe pedras de felicidade.

Evelyn o embalou novamente no casaco e o levou até a arvore em que estava acomodada, em suas raízes havia colocados as cobertas que Philippe a ajudara a conseguir outro dia. Ela o cobriu e saiu... Voltou mascando algumas ervas e as colocou na boca de Philippe. Então ... Se ela era mesmo uma bruxa ou não, isso pouco importava. Já era um verme filho de um demônio, o que tinha mais a perder?

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